segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A Insurreição Pernambucana

Nos Montes Guararapes nasceram o Exército e a nacionalidade brasileira

Carlos Evando dos Santos
19 Abr 2014


Após a morte do Rei de Portugal, Dom Sebastião (1554-1578), que não deixou herdeiros, o Rei da Espanha, Felipe II (1527-1598), por seu parentesco à Casa Real Portuguesa, impôs-se como Rei de Portugal. A fusão das Duas Coroas ficou conhecida como União Ibérica, vigorando de 1580 a 1640. Para o Brasil-Colônia, a União Ibérica trouxe duas consequências principais: a primeira foi a livre penetração dos luso-brasileiros além dos limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas; e a segunda foi a retaliação que o Brasil passou a sofrer por parte dos inimigos espanhóis, destacadamente a Holanda.
Na época, a Holanda era uma notável rival da Espanha. Por conta da União Ibérica, os holandeses foram proibidos de aportar em terras portuguesas e perderam privilégios no comércio de açúcar com o Nordeste do Brasil. Em face dessa situação, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, empresa comercial, colonizadora e militar, foi criada com o fim de reaver os negócios perdidos na América (e também na África) em decorrência da união luso-espanhola.

Invasão holandesa da Bahia
Em 1624, ocorreu a primeira invasão holandesa ao território brasileiro. O alvo foi a cidade de Salvador, a capital da Colônia. Num primeiro momento, os holandeses conquistaram toda a cidade, encontrando poucas dificuldades. A resistência foi organizada, posteriormente, pelo Bispo Dom Marcos Teixeira, que mobilizou os colonos para uma “guerra santa”, obtendo alguns êxitos.
Em 1625, os invasores foram totalmente repelidos por uma Esquadra luso-espanhola.

Invasão holandesa de Pernambuco
Em 1630, com uma Esquadra composta por 70 navios, os holandeses invadiram Pernambuco, conquistando Recife e Olinda. A resistência luso-brasileira foi organizada pelo Governador da Capitania, Matias de Albuquerque, mas as Companhias de Emboscadas, cuja sede era o Arraial de Bom Jesus, não foram suficientes para conter o ímpeto invasor. A Espanha não pode apoiar por estar envolvida com a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Portugal também não podia ajudar porque estava com sua economia debilitada em decorrência de uma seca prolongada. A Holanda, então, encontrou o território brasileiro fragilizado e, dessa forma, pode consolidar o seu domínio.
Em 1637, João Maurício de Nassau foi enviado ao Brasil para organizar o domínio holandês na América Luso-Espanhola, a Nova Holanda. O poderoso administrador reorganizou a produção açucareira, preocupou-se com a segurança do território, buscou a conciliação com os luso-brasileiros, tratou de ampliar o domínio territorial holandês e remodelou o Recife. Nassau governou de 1637 a 1644. O período foi de prosperidade. Entretanto, para a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais os novos tempos eram deficitários em virtude de elevados gastos militares e administrativos da Nova Holanda, apesar dos altíssimos lucros advindos do comércio açucareiro e de outros produtos. Além disso, a paz relativa entre luso-brasileiros e holandeses tratou de encerrar-se, uma vez que a polarização foi inevitável. Os primeiros ressentiam-se com os destacados privilégios dos segundos. Tudo não passava de uma mera repetição do sistema colonial português.
Em 1640, a União Ibérica chegou ao fim com a ascensão de Dom João IV (1640-1656) ao Trono Português, tendo início a Dinastia de Bragança (1640-1677).
Em 1644, sucedeu a Maurício de Nassau uma gestão intransigente, arbitrária e cobradora de resultados imediatos. Houve significativa redução de gastos e os vencimentos das tropas holandesas vindas ao Brasil foram definhando, em favor da manutenção da integridade do acervo e do status quo adquirido pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.

O surgimento do movimento insurrecional
Diante de tal estado de coisas, recrudesceram na Nova Holanda a discórdia e a rebeldia. Um vigoroso movimento nativista eclodiu envolvendo luso-brasileiros e até mesmo holandeses descontentes com a nova ordem estabelecida.
Como causas do movimento insurrecional, é possível citar: 1) o endividamento generalizado dos proprietários de terra, dos lavradores de cana de açúcar e dos senhores de engenho; 2) a crise comercial decorrente da queda da cotação do açúcar no mercado internacional; 3) o choque cultural entre holandeses urbanos e a população rural brasileira; 4) a incompatibilidade religiosa entre luso-brasileiros católicos e os holandeses calvinistas; 5) o moral baixo das tropas mercenárias minguadas nos soldos; 6) a redução dos efetivos das tropas holandesas; e 7) a crescente disputa entre Holanda, França e Inglaterra como consequência da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).
Em 1644, João Fernandes Vieira (que havia lutado contra os holandeses nos primeiros anos da Década de 1630 e que caiu como prisioneiro por ocasião da capitulação do Arraial do Bom Jesus) juntou-se a André Vidal de Negreiros (o paraibano experiente no combate de guerrilhas contra os invasores do Maranhão). Aos dois, uniu-se Frei Inácio, da Ordem dos Beneditinos. A união foi o esforço necessário para o início do que se convencionou chamar de Insurreição Pernambucana. Fernandes Vieira solicitou reforços ao Governador-Geral Antônio Teles da Silva que, atendendo ao pedido formulado, enviou 60 homens de Salvador, sob o comando de Antônio Dias Cardoso. No grupo, estavam Felipe Camarão (o índio Poti) e o negro Henrique Dias.
No dia 23 de maio de 1645, um importante documento, de alto valor simbólico, foi assinado por João Fernandes Vieira e mais 18 insurgentes, o Compromisso Imortal de Ipojuca:
Nós, abaixo assinados, nos conjuramos e prometemos, em serviço da liberdade, não falar, a todo tempo que necessário, com a ajuda de fazenda e pessoas, contra qualquer inimigo, em restauração de nossa “Pátria”: [...] E debaixo deste comprometimento, nós assinamos em 23 de maio de 1645”.O início da luta havia sido marcado para o dia 24 de julho de 1645. Entretanto, informações chegadas à Companhia das Índias Ocidentais fizeram com que João Fernandes Vieira tivesse que se refugiar na mata, tendo em torno de si uma escolta bem armada constituída por negros (re) escravizados.
Em função disso, o Frei Manuel Salvador, apregoando sentimentos religiosos e patrióticos, antecipou os fatos para o dia 13 de julho de 1645. O grupo inicial foi engrossando e tornando-se capaz de realizar ações de maior porte, aumentando a coesão, a audácia e o espírito de luta.
Os lados oponentes eram completamente diferentes. Do lado holandês, estavam forças navais e terrestres com experiência da Guerra dos Trinta Anos. Do lado dos patriotas, estavam oficiais luso-brasileiros, bandeirantes, agricultores, escravos e fugitivos da lei que tiveram suas penas comutadas por pegarem em armas contra os invasores estrangeiros.

Batalha do Monte das Tabocas
A Batalha do Monte das Tabocas, travada no dia 3 de agosto de 1645, na região que lhe dá o nome, foi vigorosamente vencida pelos revoltosos. O feito histórico deu origem ao Arraial Novo do Bom Jesus, às margens do Rio Capiberibe, cuja finalidade era isolar o Recife, em poder dos holandeses. A vitória dos insurgentes ensejou novas adesões ao movimento nativista e deixou os invasores em situação crítica. O Comandante holandês, Sigismundo Von Schkoppe, tentou romper o cerco e ocupou os Montes Guararapes.

Primeira Batalha de Guararapes
Os holandeses, na tentativa de romper o isolamento do Recife, ao qual foram submetidos após a Batalha do Monte das Tabocas (3 de agosto de 1645), ocuparam os Montes Guararapes, levando a uma situação de nova batalha iminente. Na oportunidade, eles somavam cerca de 7.400 combatentes e 6 peças de artilharia.
Nomeados de Patriotas, os insurgentes perceberam as intenções holandesas de explorar o território pernambucano e se anteciparam aos Montes Guararapes, através de uma marcha noturna que contava com cerca de 2.200 combatentes.
Francisco Barreto Menezes, Comandante dos Patriotas, ordenou que Felipe Camarão defendesse o flanco direito com sua tribo, em uma área repleta de matagal. No lado esquerdo, colocou Henrique Dias com seu grupamento negro na região do Morro do Oitizeiro. O centro, próximo ao Córrego da Batalha, estava guarnecido pelo terço de Fernandes Vieira. Na retaguarda, ficava na espreita o terço sob as ordens de André Vidal de Negreiros, que facilitava a migração da população sertaneja do Nordeste.
Armada a emboscada, Antônio Dias Cardoso ficou responsável por entrar em contato com os holandeses pela Estrada da Batalha, com mais de 200 homens. Ao confrontá-los, Cardoso os atraiu até o Boqueirão para chegar próximo ao reforço dos Patriotas.
Sem saber do que os esperava, os holandeses iniciaram o ataque lançando um regimento pelo flanco esquerdo. Quando o regimento central avançou, deparou-se com uma quantidade de insurgentes inesperada, batendo de frente contra os terços de Fernandes Vieira e de Vidal de Negreiros. O flanco esquerdo foi completamente derrotado pelos destemidos índios de Felipe Camarão (que acabou falecendo em combate em decorrência de graves ferimentos).
Resistentes, os holandeses tentaram uma investida pelo flanco direito, confrontando-se com o terço de Henrique Dias. Na tentativa de derrotar os Patriotas, o comandante Van Der Branden desceu até o Morro dos Telégrafos para atraí-los até o Morro da Igreja, mas percebeu que o embate estava perdido quando seu superior Sigismundo Von Schkoppe ordenou retirada total para o Recife.
A decisão de lutar empregando técnicas e táticas locais de combate foi decisiva para a vitória luso-brasileira na Primeira Batalha dos Guararapes. O conhecimento do terreno, as táticas de ataques furtivos, a guerra de guerrilhas, o emprego da surpresa e da tática de emboscadas foram características marcantes das tropas patrióticas.
Em termos de baixas de combate, do lado patriótico somaram-se 84 mortos e 400 feridos, em números aproximados; do lado holandês, 1.200 mortos e 700 feridos.
Os sucessos obtidos na Primeira Batalha de Guararapes tiveram grande repercussão em Portugal e nos demais Núcleos da Colônia, provocando mudanças de intenções da Coroa Portuguesa e de prognósticos para uma possível vitória final, com a expulsão total dos invasores holandeses.

Segunda Batalha de Guararapes
Após a Primeira Batalha de Guararapes, os holandeses permaneceram sitiados no Recife, de onde só podiam sair pelo mar. Para desvencilharem-se da insultante posição, eles tentaram novamente sair por terra da cidade. Seus objetivos eram romper o cerco, antecipar-se na ocupação do Boqueirão e prosseguir para conquistar o sul de Pernambuco. Na noite de 17 para 18 de fevereiro de 1649, o Exército Holandês partiu com 10 regimentos e mais de 3.500 homens para os Montes Guararapes, onde ocupou posições em dispositivo de expectativa. Os luso-brasileiros tomaram conhecimento dos movimentos do inimigo e o Mestre-de-Campo Barreto de Menezes deu ordens ao Exército Patriota para que rumasse em direção aos Montes Guararapes e ocupasse posições ao sul, surpreendendo o oponente. Na manhã de 19 de fevereiro de 1649, foi ordenado o ataque. As tropas holandesas foram encurraladas, de novo, pelos soldados patrióticos em Guararapes, acabando obrigadas a recuar em pânico para o Recife, onde permaneceram na situação de prisioneiros até 1654.
Na Segunda Batalha dos Guararapes, mais de 1.000 homens do Exército Holandês foram mortos ou presos, contra apenas 40 mortos e 200 feridos do lado das tropas luso-brasileiras.

A rendição holandesa
A Insurreição Pernambucana conseguiu seu intento final quando os holandeses, enfraquecidos após uma Guerra contra a Inglaterra (1652), retiraram-se do solo pátrio, após a Rendição na Campina da Taborda, assinada pelo Comandante Sigismundo Von Schkoppe, em 24 de janeiro de 1654.
A soberania portuguesa sobre a Vila do Recife foi reconhecida pela Holanda no Tratado de Paz de Haia, de 1661.
Mas para que desistissem definitivamente das terras coloniais na América, Portugal teve que pagar pesada indenização aos holandeses.

O legado
Os episódios históricos nos Montes Guararapes são celebrados como os primeiros momentos em que os habitantes da América Portuguesa ajudaram a moldar aquilo que se tornaria a identidade brasileira, pois, pela primeira vez, os principais grupos étnicos do futuro país se uniram para rechaçar a fragmentação do território.
O dia 19 de abril, data da Primeira Batalha dos Guararapes, foi consagrado como o Dia do Exército Brasileiro, uma vez que aquele momento representou, simbolicamente, a mobilização inédita de um exército genuinamente nacional.

Referências
http://www.eb.mil.br/ 


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