Carlos Evando dos Santos
19 Abr 2014
Após a morte do Rei de Portugal, Dom Sebastião (1554-1578), que não deixou herdeiros, o Rei da Espanha, Felipe II (1527-1598), por seu parentesco à Casa Real Portuguesa, impôs-se como Rei de Portugal. A fusão das Duas Coroas ficou conhecida como União Ibérica, vigorando de 1580 a 1640. Para o Brasil-Colônia, a União Ibérica trouxe duas consequências principais: a primeira foi a livre penetração dos luso-brasileiros além dos limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas; e a segunda foi a retaliação que o Brasil passou a sofrer por parte dos inimigos espanhóis, destacadamente a Holanda.
Na época, a Holanda era uma notável rival da Espanha. Por
conta da União Ibérica, os holandeses foram proibidos de aportar em terras
portuguesas e perderam privilégios no comércio de açúcar com o Nordeste do
Brasil. Em face dessa situação, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais,
empresa comercial, colonizadora e militar, foi criada com o fim de reaver os
negócios perdidos na América (e também na África) em decorrência da união
luso-espanhola.
Invasão holandesa da Bahia
Em 1624, ocorreu a primeira invasão holandesa ao território
brasileiro. O alvo foi a cidade de Salvador, a capital da Colônia. Num primeiro
momento, os holandeses conquistaram toda a cidade, encontrando poucas
dificuldades. A resistência foi organizada, posteriormente, pelo Bispo Dom
Marcos Teixeira, que mobilizou os colonos para uma “guerra santa”, obtendo
alguns êxitos.
Em 1625, os invasores foram totalmente repelidos por uma
Esquadra luso-espanhola.
Invasão holandesa de Pernambuco
Em
1630, com uma Esquadra composta por 70 navios, os holandeses invadiram
Pernambuco, conquistando Recife e Olinda. A resistência luso-brasileira foi
organizada pelo Governador da Capitania, Matias de Albuquerque, mas as
Companhias de Emboscadas, cuja sede era o Arraial de Bom Jesus, não foram
suficientes para conter o ímpeto invasor. A Espanha não pode apoiar por estar
envolvida com a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Portugal também não podia
ajudar porque estava com sua economia debilitada em decorrência de uma seca
prolongada. A Holanda, então, encontrou o território brasileiro fragilizado e,
dessa forma, pode consolidar o seu domínio.
Em
1637, João Maurício de Nassau foi enviado ao Brasil para organizar o domínio
holandês na América Luso-Espanhola, a Nova Holanda. O poderoso administrador
reorganizou a produção açucareira, preocupou-se com a segurança do território,
buscou a conciliação com os luso-brasileiros, tratou de ampliar o domínio
territorial holandês e remodelou o Recife. Nassau governou de 1637 a 1644. O
período foi de prosperidade. Entretanto, para a Companhia Holandesa das Índias
Ocidentais os novos tempos eram deficitários em virtude de elevados gastos
militares e administrativos da Nova Holanda, apesar dos altíssimos lucros
advindos do comércio açucareiro e de outros produtos. Além disso, a paz
relativa entre luso-brasileiros e holandeses tratou de encerrar-se, uma vez que
a polarização foi inevitável. Os primeiros ressentiam-se com os destacados privilégios
dos segundos. Tudo não passava de uma mera repetição do sistema colonial
português.
Em
1640, a União Ibérica chegou ao fim com a ascensão de Dom João IV (1640-1656)
ao Trono Português, tendo início a Dinastia de Bragança (1640-1677).
Em
1644, sucedeu a Maurício de Nassau uma gestão intransigente, arbitrária e
cobradora de resultados imediatos. Houve significativa redução de gastos e os
vencimentos das tropas holandesas vindas ao Brasil foram definhando, em favor
da manutenção da integridade do acervo e do status quo adquirido
pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.
O surgimento do movimento insurrecional
Diante
de tal estado de coisas, recrudesceram na Nova Holanda a discórdia e a
rebeldia. Um vigoroso movimento nativista eclodiu envolvendo luso-brasileiros e
até mesmo holandeses descontentes com a nova ordem estabelecida.
Como
causas do movimento insurrecional, é possível citar: 1) o endividamento
generalizado dos proprietários de terra, dos lavradores de cana de açúcar e dos
senhores de engenho; 2) a crise comercial decorrente da queda da cotação do
açúcar no mercado internacional; 3) o choque cultural entre holandeses urbanos
e a população rural brasileira; 4) a incompatibilidade religiosa entre
luso-brasileiros católicos e os holandeses calvinistas; 5) o moral baixo das
tropas mercenárias minguadas nos soldos; 6) a redução dos efetivos das tropas
holandesas; e 7) a crescente disputa entre Holanda, França e Inglaterra como
consequência da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).
Em
1644, João Fernandes Vieira (que havia lutado contra os holandeses nos
primeiros anos da Década de 1630 e que caiu como prisioneiro por ocasião da
capitulação do Arraial do Bom Jesus) juntou-se a André Vidal de Negreiros (o
paraibano experiente no combate de guerrilhas contra os invasores do Maranhão).
Aos dois, uniu-se Frei Inácio, da Ordem dos Beneditinos. A união foi o esforço
necessário para o início do que se convencionou chamar de Insurreição
Pernambucana. Fernandes Vieira solicitou reforços ao Governador-Geral Antônio
Teles da Silva que, atendendo ao pedido formulado, enviou 60 homens de
Salvador, sob o comando de Antônio Dias Cardoso. No grupo, estavam Felipe
Camarão (o índio Poti) e o negro Henrique Dias.
No
dia 23 de maio de 1645, um importante documento, de alto valor simbólico, foi
assinado por João Fernandes Vieira e mais 18 insurgentes, o Compromisso Imortal
de Ipojuca:
Nós,
abaixo assinados, nos conjuramos e prometemos, em serviço da liberdade, não
falar, a todo tempo que necessário, com a ajuda de fazenda e pessoas, contra
qualquer inimigo, em restauração de nossa “Pátria”: [...] E debaixo deste
comprometimento, nós assinamos em 23 de maio de 1645”.O início da luta havia
sido marcado para o dia 24 de julho de 1645. Entretanto, informações chegadas à
Companhia das Índias Ocidentais fizeram com que João Fernandes Vieira tivesse
que se refugiar na mata, tendo em torno de si uma escolta bem armada
constituída por negros (re) escravizados.
Em
função disso, o Frei Manuel Salvador, apregoando sentimentos religiosos e
patrióticos, antecipou os fatos para o dia 13 de julho de 1645. O grupo inicial
foi engrossando e tornando-se capaz de realizar ações de maior porte,
aumentando a coesão, a audácia e o espírito de luta.
Os
lados oponentes eram completamente diferentes. Do lado holandês, estavam forças
navais e terrestres com experiência da Guerra dos Trinta Anos. Do lado dos
patriotas, estavam oficiais luso-brasileiros, bandeirantes, agricultores,
escravos e fugitivos da lei que tiveram suas penas comutadas por pegarem em
armas contra os invasores estrangeiros.
Batalha do Monte das Tabocas
A
Batalha do Monte das Tabocas, travada no dia 3 de agosto de 1645, na região que
lhe dá o nome, foi vigorosamente vencida pelos revoltosos. O feito histórico
deu origem ao Arraial Novo do Bom Jesus, às margens do Rio Capiberibe, cuja
finalidade era isolar o Recife, em poder dos holandeses. A vitória dos
insurgentes ensejou novas adesões ao movimento nativista e deixou os invasores
em situação crítica. O Comandante holandês, Sigismundo Von Schkoppe, tentou
romper o cerco e ocupou os Montes Guararapes.
Primeira Batalha de Guararapes
Os
holandeses, na tentativa de romper o isolamento do Recife, ao qual foram
submetidos após a Batalha do Monte das Tabocas (3 de agosto de 1645), ocuparam
os Montes Guararapes, levando a uma situação de nova batalha iminente. Na
oportunidade, eles somavam cerca de 7.400 combatentes e 6 peças de artilharia.
Nomeados de Patriotas, os insurgentes perceberam as
intenções holandesas de explorar o território pernambucano e se anteciparam aos
Montes Guararapes, através de uma marcha noturna que contava com cerca de 2.200
combatentes.
Francisco Barreto Menezes, Comandante dos Patriotas, ordenou
que Felipe Camarão defendesse o flanco direito com sua tribo, em uma área
repleta de matagal. No lado esquerdo, colocou Henrique Dias com seu grupamento
negro na região do Morro do Oitizeiro. O centro, próximo ao Córrego da Batalha,
estava guarnecido pelo terço de Fernandes Vieira. Na retaguarda, ficava na
espreita o terço sob as ordens de André Vidal de Negreiros, que facilitava a
migração da população sertaneja do Nordeste.
Armada a emboscada, Antônio Dias Cardoso ficou responsável
por entrar em contato com os holandeses pela Estrada da Batalha, com mais de
200 homens. Ao confrontá-los, Cardoso os atraiu até o Boqueirão para chegar
próximo ao reforço dos Patriotas.
Sem saber do que os esperava, os holandeses iniciaram o
ataque lançando um regimento pelo flanco esquerdo. Quando o regimento central
avançou, deparou-se com uma quantidade de insurgentes inesperada, batendo de
frente contra os terços de Fernandes Vieira e de Vidal de Negreiros. O flanco
esquerdo foi completamente derrotado pelos destemidos índios de Felipe Camarão
(que acabou falecendo em combate em decorrência de graves ferimentos).
Resistentes, os holandeses tentaram uma investida pelo
flanco direito, confrontando-se com o terço de Henrique Dias. Na tentativa de
derrotar os Patriotas, o comandante Van Der Branden desceu até o Morro dos
Telégrafos para atraí-los até o Morro da Igreja, mas percebeu que o embate
estava perdido quando seu superior Sigismundo Von Schkoppe ordenou
retirada total para o Recife.
A decisão de lutar empregando técnicas e táticas locais de combate
foi decisiva para a vitória luso-brasileira na Primeira Batalha dos Guararapes.
O conhecimento do terreno, as táticas de ataques furtivos, a guerra de
guerrilhas, o emprego da surpresa e da tática de emboscadas foram
características marcantes das tropas patrióticas.
Em termos de baixas de combate, do lado patriótico somaram-se
84 mortos e 400 feridos, em números aproximados; do lado holandês, 1.200 mortos
e 700 feridos.
Os
sucessos obtidos na Primeira Batalha de Guararapes tiveram grande repercussão em
Portugal e nos demais Núcleos da Colônia, provocando mudanças de intenções da
Coroa Portuguesa e de prognósticos para uma possível vitória final, com a
expulsão total dos invasores holandeses.
Segunda Batalha de Guararapes
Após a Primeira Batalha de Guararapes, os holandeses
permaneceram sitiados no Recife, de onde só podiam sair pelo mar. Para
desvencilharem-se da insultante posição, eles tentaram novamente sair por terra
da cidade. Seus objetivos eram romper o cerco, antecipar-se na ocupação do Boqueirão
e prosseguir para conquistar o sul de Pernambuco. Na noite de 17 para 18 de
fevereiro de 1649, o Exército Holandês partiu com 10 regimentos e mais de 3.500
homens para os Montes Guararapes, onde ocupou posições em dispositivo de
expectativa. Os luso-brasileiros tomaram conhecimento dos movimentos do inimigo
e o Mestre-de-Campo Barreto de Menezes deu ordens ao Exército Patriota para que
rumasse em direção aos Montes Guararapes e ocupasse posições ao sul,
surpreendendo o oponente. Na manhã de 19 de fevereiro de 1649, foi ordenado o
ataque. As tropas holandesas foram encurraladas, de novo, pelos soldados
patrióticos em Guararapes, acabando obrigadas a recuar em pânico para o Recife,
onde permaneceram na situação de prisioneiros até 1654.
Na Segunda Batalha dos Guararapes, mais de 1.000 homens do
Exército Holandês foram mortos ou presos, contra apenas 40 mortos e 200 feridos
do lado das tropas luso-brasileiras.
A rendição holandesa
A Insurreição Pernambucana conseguiu seu intento final quando
os holandeses, enfraquecidos após uma Guerra contra a Inglaterra (1652),
retiraram-se do solo pátrio, após a Rendição na Campina da Taborda, assinada pelo Comandante
Sigismundo Von Schkoppe, em 24 de janeiro
de 1654.
A soberania portuguesa sobre a Vila do Recife foi reconhecida
pela Holanda no Tratado de Paz de Haia, de 1661.
Mas para que desistissem definitivamente das terras coloniais
na América, Portugal teve que pagar pesada indenização aos holandeses.
O legado
Os episódios históricos nos Montes Guararapes são celebrados
como os primeiros momentos em que os habitantes da América Portuguesa ajudaram
a moldar aquilo que se tornaria a identidade brasileira, pois, pela primeira
vez, os principais grupos étnicos do futuro país se uniram para rechaçar a
fragmentação do território.
O dia 19 de abril, data da Primeira Batalha dos
Guararapes, foi consagrado como o Dia do Exército Brasileiro, uma vez que
aquele momento representou, simbolicamente, a mobilização inédita de um
exército genuinamente nacional.
Referências
http://www.eb.mil.br/
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